Neste endereço http://aeiou.expresso.pt/caim-a-desilusao=f544686, o teólogo Carreira das Neves, comentando, para o Expresso, o romance de Saramago, e referindo-se ao episódio Caim, considera essa personagem o "epónimo de uma cultura e civilização - a das cidades -, muito mal vista (... em) toda a Bíblia do AT, que opõe a cultura e civilização dos pastores (Abel) à das cidades". Teríamos então a preferência divina como uma valorização da civilização rural e uma consequente desvalorização da urbana. As razões aduzidas para esta interpretação são, a meu ver, tão mirabolantes quanto uma interpretação literal deste e doutros episódios bíblicos. Mas ainda assim, não sei em que é que esta interpretação contradiz o Saramago. Não é este deus biblíco uma personagem vingativa e sedenta de sangue? Mas mesmo que esta personagem divina seja tão só a expressão da extrema violência da sociedade arcaica, é exactamente essa violência que Saramago trata no romance Caim. Ser Caim um polo da dicotomia cidade-campo ou sê-lo da dicotomia sedentário-nómada (outra hipótese interpretativa possível) não retira nenhuma violência ao episódio seja da parte de Caim seja do castigo divino.
A opção de Saramago em tratar o episódio à letra, isto é, como um acontecimento histórico com personagens reais, incluindo o próprio deus, acaba por ter justificação como obra ficcional que é. Acho eu e aguardo outros achares.Amadora, 24/2/10
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