sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Caim e Abel, agricultores e pastores

A polémica recente à volta das declarações de José Saramago sobre a Bíblia tem sido pobre e empobrecedora. De tudo o que aconteceu, valeu-me a minha incursão no episódio bíblico de Caim e Abel. E, chegado aí, partilho das perplexidades daqueles que não compreendem porque é que Deus desdenha as oferendas de Caim e apenas aceita as que Abel lhe entrega. Porque é que Deus não recebe o produto do trabalho e do suor do agricultor Caim, apenas aceitando as crias do rebanho de Abel? Porquê este primado do pastor sobre o agricultor? Em vão tenho tentado encontrar uma resposta satisfatória e muito menos definitiva. Do que vou lendo e pensando julgo que a opção pela agricultura íria contrariar o espírito do povo judeu, travaria a sua errância necessária que, naquele contexto representava ainda a aventura do povo judeu em busca da Terra Prometida. Neste sentido, só o nomadismo do pastor, sempre em viagem, acompanhando o avanço e recuo das pastagens, respeitaria o judaísmo errante. A ser assim, perceber-se-ia melhor a condenação de Caim a uma errância eterna (que ele não respeita, acabando por fundar uma cidade, a primeira cidade). Contudo, esta valorização do ser pastor não é bastante para uma desvalorização tão radical do ser agricultor. E o problema, embora mais iluminado, permanece. Remeter a sua solução para a personalidade de Deus parece-me uma solução fácil e redutora. Meter nisto as questões do feitio do Senhor aniquilaria qualquer debate, explicaria dispensando qualquer esforço de compreender. Permanece, pois, o problema. Porém, fico melhor com o brilho dum problema, que com a luz mortiça das explicações de José Saramago e dos contra-argumentos, ao mesmo nível, que lhe sucederam.


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Carreira das Neves e o episódio Caim e Abel

Neste endereço http://aeiou.expresso.pt/caim-a-desilusao=f544686, o teólogo Carreira das Neves, comentando, para o Expresso, o romance de Saramago, e referindo-se ao episódio Caim, considera essa personagem o "epónimo de uma cultura e civilização - a das cidades -, muito mal vista (... em) toda a Bíblia do AT, que opõe a cultura e civilização dos pastores (Abel) à das cidades". Teríamos então a preferência divina como uma valorização da civilização rural e uma consequente desvalorização da urbana. As razões aduzidas para esta interpretação são, a meu ver, tão mirabolantes quanto uma interpretação literal deste e doutros episódios bíblicos. Mas ainda assim, não sei em que é que esta interpretação contradiz o Saramago. Não é este deus biblíco uma personagem vingativa e sedenta de sangue? Mas mesmo que esta personagem divina seja tão só a expressão da extrema violência da sociedade arcaica, é exactamente essa violência que Saramago trata no romance Caim. Ser Caim um polo da dicotomia cidade-campo ou sê-lo da dicotomia sedentário-nómada (outra hipótese interpretativa possível) não retira nenhuma violência ao episódio seja da parte de Caim seja do castigo divino.
A opção de Saramago em tratar o episódio à letra, isto é, como um acontecimento histórico com personagens reais, incluindo o próprio deus, acaba por ter justificação como obra ficcional que é. Acho eu e aguardo outros achares.
Amadora, 24/2/10

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Apresentação

Bem vindos ao blogue do clube de leitura da Escola Secundária Braamcamp Freire. Aqui se trocam leituras e as suas impressões, partilham-se informações, discutem-se livros e autores.
Mas, acima de tudo, este blogue servirá de plataforma de apoio ao clube de leitura, ao nosso cantinho dos contos.
Dizia Barthes que muitos escritores se perdem por serem bons leitores. Porém, que o nosso vício de ler não nos impeça de escrever.
A ler vamos...